Quem somos

A história negra é feita de retomadas, recontos e caminhos cruzados. Nunca é começar do zero. Sempre redescobrimos algo deixado como ensinamento daquelas pessoas que vieram antes de nós. Deste modo, um site que apresente o acervo de Clubes Sociais Negros do Brasil e do Uruguai, é a continuidade de um processo histórico construído a várias mãos, bailes, braços, abraços e vidas. Para além da resistência, um espaço de existir e respirar. Um espaço material e imaterial, em que ao longo de anos vem sendo mantida viva a chama de ações ancestrais como o partilhar, o reunir e o resguardar, enfrentando dificuldades e atravessamentos.

Conceituar o que são clubes sociais negros é partir da consciência de uma história em movimento. Teóricos e intelectuais negros e não negros vem agregando ventos de continuidade nesta caminhada de saberes compartilhados. Dos mais velhos aos mais novos, sempre passando o bastão com respeito e expectativa. Longe de apresentar conclusões fechadas, estes parágrafos pretendem introduzir algumas das respostas apresentadas por inúmeras pesquisas nos campos da História, Museologia, Produção Cultural, Antropologia e outros. Tendo como horizonte os passos de Oliveira Silveira e os ensinamentos práticos e teóricos da relação com o patrimônio negro do qual fazem parte os Clubes Sociais Negros, esperamos estabelecer um diálogo e um convite para quem visita o site.

Para uma compreensão que não seja estagnada, é importante contextualizar histórica e socialmente as conceituações feitas pelo movimento clubista e por pesquisadores das mais diferentes áreas, sobre os Clubes Sociais Negros. Entre as pesquisas realizadas, tanto é possível encontrar apontamentos sobre o caráter recreativo dos clubes, quanto outras abordagens mais centradas no papel de articulação política do movimento negro que os mesmos tiveram. Alguns pontos são consensuais entre os estudos: a anterioridade à abolição, o caráter recreativo, local de educação e principalmente, o interesse de resguardo da memória e história negras.

Os Clubes Sociais Negros foram criados para além da proibição vigente nos primeiros anos do século XX, em relação a pessoas negras frequentarem os clubes sociais da elite branca. Os Clubes Negros resultam da união de pessoas negras neste contexto, que exemplificava a exclusão sistemática do direito a vida plena, nela incluída o lazer, a liberdade real e a vida em sociedade. Assim, os que vieram antes de nós, construíram lugares coletivos, onde pudessem compartilhar suas dores e alegrias, organizar-se entre seus pares e ter experiências de sociabilidade, diversão, articulação e principalmente, vida. Os Clubes foram construídos por uma “classe média negra emergente que ascendeu social, cultural e economicamente de forma distinta da maior parte da população negra” (ESCOBAR, 2017). Estes grupos eram compostos por professores/as, militares, operários, alfaiates, sapateiros, e que entendiam como importante um espaço pensado por e para pessoas negras.

A diversidade da população negra se expressou ao longo dos anos dentro dos Clubes Sociais Negros. As mulheres tiveram importante papel na consolidação do movimento clubista, sendo fundadoras de alguns dos mais antigos do Brasil. Com o passar do tempo, mulheres negras começaram a integrar as diretorias escrevendo atas, fazendo parte da tesouraria, da secretaria, tendo uma participação mais ativa no que diz respeito à tomada de decisões e ao funcionamento dos clubes. Haviam também algumas funções desempenhadas previamente pelas mulheres, como organizar as festividades e preparar a comida, além de uma participação ativa no planejamento das agendas. Os homens tiveram uma maior representatividade nas diretorias, com um poder de voz mais expressivo por muitos anos, porém a dimensão das relações de gênero no âmbito do Movimento Clubista, vem sendo revisitado e ampliado, com base no histórico deste patrimônio de vidas negras heterogêneas reunidas.

Os certames de beleza (Rainhas de Carnaval, Mais Bela Negra, Soberana do Clube, Baile da Primavera, entre outros), eram também espaços de expressividade das mulheres negras em sua diversidade, dentro e fora das associações. A desvalorização dos traços físicos da população negra, frente ao ideal branco propagado como padrão, foi respondida no contexto dos Clubes Sociais Negros com o reconhecimento e valorização da beleza negra. Ao promover a mulher negra como protagonistas de sua própria história semearam a autoimagem positiva de toda uma comunidade.

Os Clubes Sociais Negros também são espaços de formação e fomento à educação. Desde os primeiros clubes fundados, a questão de oportunizar acesso à educação, foi muito presente. O associativismo negro vivenciado dentro dos clubes promove oportunidades de fortalecimento da autonomia para as pessoas negras, característica importante para viver em sociedades profundamente desiguais, como a sociedade brasileira. Sendo assim, é fundamental que o conhecimento sobre a história dos clubes sociais negros esteja presente nas escolas e universidades, para que cada vez mais e mais cedo, crianças e jovens tenham acesso a estes importantes patrimônios históricos e tudo o que representam na construção de uma trajetória em rede de vidas negras conhecedoras da força que tem a ancestralidade atlântica.