Projeto de pesquisa Clubes Sociais Negros do Brasil e Uruguai

Mapeamento, memória, patrimonialização e educação para as relações étnco-raciais

Em pesquisa de mestrado (ESCOBAR, 2010) mapeou-se mais de cinquenta clubes sociais negros no estado do Rio Grande do Sul. Naquele momento afirmou-se que eles são “lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial”. Além disso, são extraordinários espaços para pesquisa, com acervo, documentação e fontes extraordinárias que contam parte da história dos negros no RS.

O conceito de Clube Social Negro foi construído em 29 de fevereiro de 2008 , durante um encontro em Brasília, com a presença do escritor e poeta da Consciência Negra, Oliveira Silveira, o Ministro-Chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR-PR), o sociólogo Edson Santos e os integrantes da Comissão Nacional de Clubes Sociais Negros do Brasil dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Clubes Sociais Negros são espaços associativos do grupo étnico afro-brasileiro, originário da necessidade de convívio social do grupo, voluntariamente constituído e com caráter beneficente, recreativo e cultural, desenvolvendo atividades num espaço físico próprio. (OLIVEIRA SILVEIRA apud ESCOBAR, 2010, p. 61).

Este conceito foi legitimado pela SEPPIR-PR, com vistas a dar conta das demandas de um segmento que se autodefiniu naquele momento histórico e exigiu do Estado uma ação política de proteção e salvaguarda do seu patrimônio em vias de desaparecer.

Os Clubes Sociais Negros prestaram inúmeros serviços à comunidade negra e à sociedade brasileira, pois faziam o que o Estado deixava de fazer. Eles surgiram como um contraponto à ordem social vigente (em especial, a partir do século XIX), o que possibilitou uma intensa ascensão econômica, política e social sentimento de pertença a um grupo, afirmando uma identidade negra positiva com a sua visão de mundo, gerando com isso mobilidade social, autoestima elevada dos seus associados, que seguiam padrões rígidos de comportamento, de moralidade e de bem viver, forjando, de certa forma, uma classe média negra emergente.

Esses territórios negros, além de se constituírem como um local de sociabilidade, visibilidade e apoderamento da população negra, tinham como objetivo angariar fundos para apoiar as famílias negras em situação de vulnerabilidade, construir hospitais, escolas e custear o pagamento da liberdade dos negros escravizados, auxiliando ainda nas despesas com funeral, na educação de jovens e de adultos, aulas de etiquetas para moças, bem como aulas noturnas em suas sedes, atuando de forma incisiva na luta contra a escravidão, o racismo e a discriminação racial.

Dessa forma, pode-se dizer que as edificações dos Clubes Sociais Negros construídas pelos trabalhadores negros ao longo dos séculos XIX e XX, com fins de lazer e defesa de direitos de suas famílias, constituem verdadeiros “monumentos”, pois foram construídos para um determinado fim, estrategicamente pensados e solidificados para demarcar um espaço, um determinado tempo e afirmar uma identidade (ESCOBAR, 2010, p. 82).

A discussão sobre Clubes Sociais Negros veio à tona na I Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial, realizada em Porto Alegre – RS, em 2005. A partir daquele evento, ganhou dimensão nacional. O ano de 2006 foi um marco para o movimento de Clubes Sociais Negros do Brasil, pois uma nova geração protagonizou um movimento em prol do reconhecimento e manutenção do patrimônio material e imaterial clubista, com vistas a preservar as inúmeras histórias, memórias e as edificações construídas pela própria comunidade negra, espalhadas pelo país e, em sua maioria, em estado lamentável de degradação e em vias de desaparecimento.

O ano de 2014 também se revestiu de um significado importante, pois após oito anos de lutas, pesquisas, encontros estaduais e nacionais, reivindicações do movimento clubista, o Estado brasileiro assumiu para si a responsabilidade de mapear os Clubes Sociais Negros em âmbito nacional5 . Este mapeamento governamental finalizado no ano de 2015, foi solicitado no ano de 2019 pela coordenadora deste projeto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que respondeu via SEI, o Sistema Eletrônico de Informações da Unipampa. Entre os mapeamentos realizados pelo Estado, pela academia e intelectuais negros/as orgânicos/as, muitos espaços de sociabilidade negra seguem desaparecendo, sendo leiloados, enfrentando a negligência do Estado e inúmeras dificuldades para se manterem, como o próprio Clube 24 de Agosto, que conseguiu reverter um leilão e no ano de 2012 foi reconhecido e tombado como Patrimônio Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.

Sendo assim este Projeto de Pesquisa quer preservar a memória destas organizações negras centenárias, que precisam urgentemente serem registradas, ensinadas aos alunos da Educação Básica e divulgadas para apropriação dos remanescentes e daqueles que vierem depois.

Por Giane Vargas